sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

PRECONCEITO


Você que acaba de encontrar este Blog, ou que o acompanha a algum tempo, por certo já percebeu - nas entrelinhas - que sou dado a polemizar e que, no entanto, só opino desfavoravelmente quando o alvo dos comentários comete atos irresponsáveis, daqueles considerados lesivos à cultura nacional. O aspecto que hoje abordo não foge à regra.

Os amantes da música e os músicos em geral “são preconceituosos, embora façam questão de apregoar o contrário”.

Acredito que tal afirmação, dita assim em tom categórico, possa causar no leitor certo mal estar e até mesmo indignação, no entanto, não tire conclusões apressadas. Esse preconceito não é privilégio dos músicos, está presente em todas as manifestações artísticas - ou não - pelo simples fato de fazer parte da mesquinhez humana.
Medite um pouco e diga com toda a sinceridade: já pensou nos adjetivos, POPULAR e ERUDITO atribuindo a eles apenas o sentido genérico, ou arrogou-se a interpretá-los valorativamente. Se estiver enquadrado no segundo caso; se é um daqueles que se mostra abertamente contrário à palavra “erudito” pretendendo demonstrar aversão a um adjetivo que define como preconceituoso, reflita se não está revelando um preconceito idêntico ao que condena, além da indesculpável ignorância da língua pátria.

Quantas vezes já ouvi de músicos e de não músicos a afirmação: “Isso não é música”, quando ouvem qualquer obra que não seja do seu agrado.

Os adeptos da música nacionalista são ultrapassados e xenófobos” dizem os apreciadores das correntes musicais mais avançadas, que acabam, por sua vez, acoimados de reles impostores que nada sabem da arte musical, pelos primeiros.

Quem já parou para refletir sobre essas questões - se deixou de lado os próprios preconceitos - chegou fatalmente à conclusão de que no fundo, no fundo, a raiz de tudo está apoiada em aforismos de ordem social.
O dualismo petrificado arraigado nas sociedades onde tudo é mensurado por rígidos e discutíveis conceitos como: “ou isto ou aquilo”; bonito ou feio”; “bom ou mau”;” rico ou pobre”; “genial ou medíocre”, levou com o correr do tempo a posturas inconscientes e inconsistentes, responsáveis pela criação de abismos do mais absurdo e ilimitado divisionismo, dando origem ao nefasto egocentrismo pre-conceituoso que transformou cada indivíduo em dono absoluto da verdade: “Aquilo de que não gosto, não presta”.

A princípio pode parecer que tais discordâncias são devidas apenas a partidarismos inócuos próprios de cada indivíduo, no entanto, uma análise mais profunda nos mostra que as conseqüências, embora passando despercebidas, são responsáveis pelas mais profundas e desmedidas injustiças, que acabam por moldar o inconsciente coletivo de acordo com a maneira de pensar dos mais impositivos. É a vitória do “preconceito”.

Voltando à música, essas colocações levam a perguntas inevitáveis:

“Qual a razão de tão poucas compositoras aparecerem relacionadas na história da música?
• Elas são mesmo minoria?

• A qualidade dos seus trabalhos é realmente inferior à dos homens?

• Qual, ou quais, as razões que levam as suas obras a permanecer no ostracismo?

• Os critérios de valor usados para mensurar a qualidade musical das obras musicais criadas por mulheres são os mesmos que se aplicam às composições masculinas?

Tenho a certeza de que as respostas a essas e a outras indagações relacionadas ao assunto dariam para elaborar um número assustador de “dissertações” de mestrado e “teses” de doutorado. Fica a sugestão.
A título de incentivo aconselho a audição atenta do recente CD intitulado “Mulheres Compositoras – Femmes Compositrices”, no qual a pianista Sylvia Maltese nos oferece em execuções impecáveis e interpretações de altíssimo nível, um leque de obras que abrange desde a singela brejeirice de Chiquinha Gonzaga e de Silvânia Barros até a madura e complexa “Multisarabanda” de Kilza Setti, passando pelo “romantismo” virtuosístico de Branca Bilhar, recatado e sensível em Emília De Benedictis, pelo “impressionismo” das francesas Lili Boulanger, Mel Bonis, Louise Farrenc e Augusta Holmes, pelo “nacionalismo” de Dinorá de Carvalho e San-dra Abrão, pela polifônica brasilidade de Adelaide Pereira da Silva, e pelo "universalismo" de Maria Helena Rosas Fernandes.
Destaco ainda as peças a “quatro mãos” da francesa Mel Bonis e da compositora-pianista Marie Jaël registradas de forma impecável pelo Duo Maltese – Paola Tarditi. Poucas vezes tive a oportunidade de ouvir tão perfeito entrosamento, seja a nível de sincronismo, seja de maturidade interpretativa. Enfim um excelente motivo para desencadear um movimento anti-preconceituoso que venha abrir perspectivas que alarguem os horizontes e joguem por terra os limites pré-estabelecidos, pelos. . . “limitados”.



2 comentários:

  1. Também gostaria de acrescentar que o preconceito é comercial, pois na venda de música geralmente há a ideia de desprezar um artista para vender aquele que está recebendo apoio num determinado momento. Também, se não há liberdade de expressão real, sobra o preconceito à vontade, se apenas algumas obras é que são reconhecidas, então o que se fará com as que não são reconhecidas? Mudar esse preconceito será difícil, mas o que me leva a visitar o blog de Sergio Vasconcellos-Corrêa é a sua maneira de expressar, o qual eu apoio. Ainda bem que um músico de peso falou de preconceito, algo que eu ainda não tive coragem.

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